quinta-feira, outubro 25

Desapropriação gera disputa judicial em Manguinhos


Moradores querem reparação financeira e Emop garante futuras melhorias


“No último mês, eu publiquei 80 decretos de desapropriação. Você já vê em Manguinhos uma série de destroços de casas, que foram desapropriadas e ocupados. Nós estamos pagando aluguel social a essas pessoas, que vão morar dignamente. É um jogo de ganha-ganha”.
A frase acima é do governador Sérgio Cabral, durante o lançamento de um hotel no Riocentro, no último dia 18. Para os moradores do Parque João Goulart, em Manguinhos, porém, não há nenhum ganho nas desapropriações.
Oito processos foram movidos contra a Empresa de Obras Públicas(Emop) por diversas reclamações durante os últimos dois anos de demolições na área, destinadas ao Programa de Aceleração do Crescimento(PAC) em Manguinhos.
Jornal do Brasil falou com alguns moradores das cerca de 12 famílias que seguem vivendo no local. Elas se dizem vítimas de diversos tipos de pressão para deixar o local. As dificuldades envolvem entulho na porta de casa, doenças causadas pela poeira e pelo barulho e problemas na distribuição de luz e água no local.
Moradores afirmam que o aluguel social, assim como o valor oferecido pelas residências, é baixo até para comprar uma casa no interior do Complexo de Manguinhos, pacificado no dia 14 de outubro.
A Empresa de Obras Públicas diz que o número de beneficiados com as obras do PAC na região de Manguinhos e Jacarezinho será imenso se comparado aos “remanescentes” do Parque João Goulart. Um documento oficial é colocado como fiel da balança nesta questão: o decreto 43-415, publicado a 11 de janeiro de 2012, reproduzido abaixo pelo Jornal do Brasil
Tabela presente no Decreto 43-415, do dia 10 de janeiro de 2012 é referência para pagamentos pela Empresa de Obras Públicas a moradores de Manguinhos.
Tabela presente no Decreto 43-415, do dia 10 de janeiro de 2012 é referência para pagamentos pela Empresa de Obras Públicas a moradores de Manguinhos.
Processo se arrasta 
A disputa envolvendo a área do Parque João Goulart não é recente. No dia 24 de junho de 2008, o mesmo Sérgio Cabral assinou um decreto que aprovava as diretrizes de relocação de edificações de Assentamentos Populares e de outras províncias. 
No dia 10 de janeiro de 2012, o decreto foi atualizado e publicado no Diário Oficial, com informações sobre indenizações, alternativas de realocação e o processo de compra assistida, com a nova moradia localizada em área próxima à casa antiga, com boa acessibilidade e que não envolvesse riscosDe acordo com Deniz de Souza, morador da comunidade há 29 anos e citado no documento de 2011, o que acontece é exatamente o oposto: 
“São quatro anos de luta. As casas aqui sofrem o efeito dominó: se derrubar uma, tudo vai cair. Nada disso é cumprido. Minha casa está toda danificada”, contou Deniz, visivelmente irritado com a situação.
Wanderson Guimarães, de 45 anos, afirma que, caso o Jornal do Brasil fosse ao local há cerca de três anos, a situação estaria muito pior:
“Havia uma pilha de entulho de 3 metros em frente à minha casa, despejada para botar pressão na gente, e que lá ficou durante mais de duas semanas. Até hoje despejam entulho por aqui”, disse Guimarães. 
“Não dá nem para comprar aqui dentro de Manguinhos”
Aparecida dos Santos, que morou no Parque João Goulart durante 26 anos, saiu da comunidade em 2009. Seu endereço hoje é em Xerém, em Duque de Caxias, não sem alguns sacrifícios: “Meu pai tinha uma casa na comunidade e minha irmã tinha outra. O dinheiro que recebemos pela compra das duas deu para comprar uma casa em Xerém”, contou Aparecida, morando hoje a uma distância de 36 km de onde foi criada. Apesar de ter feito um acordo com a Emop, ela ressalta a discrepância entre o valor das casas e o oferecido pela empresa. “ Muitos têm boas casas por ali, mas não ofereceram o valor devido”.
Deniz de Souza teve pela casa um valor oferecido de cerca de R$ 100 mil, discutido e assinado com a Emop em julho de 2012, com previsão de acerto financeiro para o mês de agosto. Após três meses sem nenhum pagamento, o acordo já não é mais vantajoso para o morador.  “Só assinei sob pressão. Acordei esse valor, mas não tenho mais como aceitar esse valor porque isso não compra nem uma casa aqui dentro de Manguinhos. Não do tamanho da minha. Aqui tem casas que custam R$ 100 mil, R$ 120 mil, onde não cabe nada. A política deles é pegar ou largar”, relatou Deniz. Segundo ele, o cheque referente ao valor demorou nove meses para chegar à sua residência após o acordo com a Emop.
Pelo valor do decreto de 2010, uma casa de 86,28 m² receberia R$ 42.700 sem majoração prevista. Com o decreto atualizado de 2012 e a majoração prevista de 80%, o valor oferecido pela Emop é de R$ 84.600. O valor pedido pelo morador é de R$120 mil:
“Tem vezes que você encontra umas casas aqui que são um lixo, por R$ 70 mil, R$ 80 mil. Não quero sair daqui para morar em um lugar pior. Com o que me ofereceram, o que é que vai sobrar para mim?”, questionou o dono da casa, que também reclamou das medidas de sua casa realizadas pela Emop."Minha casa tem quase 90 m² e foi medida como tendo 75 m². Assim fica complicado, tanto que contratamos um engenheiro para fazer uma medida paralalela", contou.
José Geraldo Ramalho, de 55 anos, lembra que quando chegou à comunidade, em 1975, as casas ainda eram de madeira. Ele também relata o aumento do preço de uma residência em Manguinhos, comparando com o início das obras, em 2008: “Há quatro anos atrás, uma casa com garagem custava entre R$ 28 mil e R$ 30 mil. Hoje em dia, conheço casas aqui sendo vendidas a R$ 98 mil. É um aumento muito grande”, argumentou Ramalho, que recebeu proposta da Emop de R$ 18.497,70 pela casa de 26 m². A contraproposta feita foi de R$ 25 mil, e o morador também está processando a Emop.
Problemas incomodam moradores
Entre os principais problemas contados pelos moradores ao Jornal do Brasil, está a falta de iluminação pública. Os postes estão todos sem luz há pelo menos três anos. Quando chega a noite, a rua principal do Parque João Goulart fica um breu. Um dos postes, inclusive, caiu e ficou sem conserto por cerca de de duas semanas. As únicas luzes no local vêm das residências dos moradores, e nem por isso eles deixam de receber a cobrança:
“Na minha conta de luz, está lá a conta de iluminação pública. Iluminação de rua que não existe. Muito engraçado isso”, ironizou Nilson Damião.
Damião mora com a mãe de 80 anos, e contou que ela ficou em estado de choque há dois meses, quando operários que destruíam a casa vizinha à sua marretaram a parede atrás de sua cama.
A idosa, que já havia sofrido um derrame cerebral, não consegue mais se movimentar sozinha com o trauma. Moradores contaram que a situação foi motivo de deboche por parte de operários, que teriam perguntado se estavam fazendo “muito barulho”.
Operários também foram acusados de destruir casas sem se preocupar com a estrutura das casas vizinhas, e fazer comentários acusatórios quanto à situação dos moradores do Parque João Goulart, afirmando que estes queriam “enriquecer de forma ilícita”. Além dos problemas com luz, lixo e esgoto, os moradores contaram ao Jornal do Brasil que os destroços de casas vizinhas acabam sendo usados como banheiro e até como motel.
Na última semana, um morador percebeu a movimentação de um casal que invadiu a casa embaixo da dele e foi investigar. Ao pedir para que os invasores se retirassem, o homem pegou um pedaço de madeira e acertou um golpe no antebraço de outro morador, Arinelson Azevedo, que não reagiu porque seus amigos haviam fugido. No dia seguinte ao episódio, com o braço machucado, ele não escondeu sua indignação com a condição atual: 
“O Estado e a Emop pensam que nós somos o resto. E pior ainda, que gostamos de viver assim”, lamentou. Vanderley Pereira, de 29 anos, fez diversas fotos e vídeos sobre a problemas da comunidade, alguns publicados na internet. “O objetivo é provar a terrível atuação da Emop na nossa comunidade”, apontou. 
Emop se defende
Sobre as acusações acima, a Empresa de Obras Públicas declarou que “nenhum funcionário ligado à Emop tomou parte de provocações contra moradores”. Sobre os processos sofridos, a empresa entende que todo proprietário tem o direito de buscar o preço que considera justo pelo seu imóvel, mas a Justiça é que determina o valor final.
A Emop investiu R$ 1 bilhão em obras realizadas em Manguinhos e no Jacarezinhoe, consideradas uma das áreas mais carentes do Rio. Segundo a empresa, serão beneficiadas mais de 800 mil pessoas. Na rua Uranus, que também compreende a área do Parque João Goulart, estão previstas a construção de ruas, ciclovias e quadras poliesportivas. Quanto à moradia, 480 unidades habitacionais foram entregues no Conjunto Embratel, nas proximidades do Parque João Goulart.
Além disso, mais de 700 novas unidades habitacionais foram construídas na antiga Fábrica da Cooperativa Central dos Produtores de Leite(CCPL), divididas em 32 Blocos.
Segundo a assessoria da Emop, as condições de muitos moradores das duas comunidade são "subhumanas", e as novas obras trarão benefícios sociais e estruturais para a região e para os moradores que serão realocados.
A Emop também realiza, a partir dessa semana, o recadastramento dos moradores de apartamentos do Programa de Aceleração do Crescimento(PAC) em Manguinhos:
"A ideia não é fazer uma caça às bruxas, e sim, organizar a situação. Até porque existem mais de mil famílias esperando o direito de ter um imóvel de qualidade – disse Ruth Jurberg,coordenadora-geral do PAC 2.
Sobre os cheques, a empresa reconheceu que alguns demoraram a ser entregues, mas estão sendo emitidos e continuam a ser pagos de acordo com o Anexo 4 da página 5 do Decreto 43-415, de 11 de janeiro de 2012.
Para finalizar, a Empresa de Obras Públicas disse que não pode competir com os preços do mercado imobiliário alegados pelos moradores do Parque João Goulart, e que todos os moradores que ainda permanecem no local estão sendo acionados pela Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro.
Jornal do BrasilHenrique de Almeida

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